O assunto deste painel foi abordado por Bruno Kanieski da Silva, professor do Departamento de Florestas da Universidade do Estado do Mississipi, nos Estados Unidos (EUA). O assunto tem chamado a atenção do setor florestal brasileiro diante da recente ampliação do mercado de crédito de carbono nos EUA, que incluiu as florestas plantadas, podendo ser absorvido pelo setor florestal brasileiro. Na apresentação, Kanieski explicou como são feitas as negociações de crédito de carbono e mostrou desafios e oportunidades deste nicho.
Kanieski iniciou a palestra falando a respeito da influência dos fatores climáticos sobre a demanda e a oferta de carbono. Os recentes impactos causados pelas mudanças climáticas, com destaque aos gigantescos incêndios, vem afetando o setor florestal, o que coloca o sequestro de carbono como questão primordial. “Atualmente nos EUA foram queimados em torno de 1.6 milhões de hectares. Para se ter uma ideia de escala, a Klabin, que é uma das líderes no setor Florestal brasileiro, possui cerca de 400 mil hectares de área plantada. Então todos esses aspectos ocorridos em distintas partes do mundo (incêndios, ondas de calor, racionamento de água, e a própria pandemia) são motivos para a gente se preocupar com clima, e o carbono é um dos indicadores chaves que a gente pode manejar para diminuir esses efeitos catastróficos”, aponta.
A utilização do crédito de carbono como um negócio começou após as discussões do Protocolo de Kioto, ocorrido em 1997, em que estabeleceram metas para os principais países desenvolvidos para diminuição de emissões de gases de efeito estufa, que são a causa do aquecimento global. A partir de então, foi criado também um mercado de carbono que, até recentemente, era utilizado pelo setor industrial, pelo qual indústrias que poluem menos, por possuírem mais tecnologia, negociavam créditos com as indústrias mais poluidoras, permitindo assim a continuidade do negócio destas.
Intitulado Cap and Trade, o mercado internacional de carbono teve sua primeira rodada de cumprimento de metas de redução de emissões de carbono finalizada em 2012. Nesta primeira rodada o Brasil não foi incluso “provavelmente devido ao fato de ser um país em desenvolvimento e também porque já tem um estoque de carbono bem avançado, mas a pressão em relação ao desmatamento e todos esses aspectos é muito grande em relação ao nosso país e, provavelmente, no futuro, a gente vai entrar como um país que tem uma meta para ser atingida”, atenta.
De acordo com Kanieski, um programa importante que o Brasil tem participado, semelhante ao Cap and Trade, é o Redução de Emissão Proveniente de Desmatamento de Degradação Florestal – REDD. Devido a maior parte da Amazônia estar no Brasil e esta ser a maior floresta tropical do mundo, o País monetariza com esses recursos. “O REDD é tipo o Cap and Trade. Por exemplo, em uma certa área florestal a atividade está sob risco de desmatamento e há como provar este risco. Assim, é possível ser beneficiado com uma certa quantia monetária, calculada de acordo com as regras. O Ministério do Meio Ambiente tem todos os sistemas de pagamentos de REDD, com eficiência e rapidez ainda questionável, mas o Brasil está bem à frente de diversos países”, conta.
Vale a pena para floresta plantada?
Segundo o professor, projetos como REDD, na Amazônia, poderiam evitar muitos desmatamentos, pois “é relativamente fácil provar que o desmatamento está avançando e o REDD pode poupar que a floresta seja cortada”, diz. Já com relação às florestas plantadas, a manutenção da floresta em pé demanda um esforço maior para entender o retorno financeiro. Além disso, há vários custos envolvidos que devem ser levados em consideração, como custo de entrada, de administração e a variação do preço da madeira ao longo do tempo.
Foi apontado o grande potencial do Brasil para o mercado de carbono, diante da liderança do país em produção florestal, tanto nativa quanto plantada. “Só ouço elogios em relação ao Brasil, da capacidade de produção e de mercado Florestal. E os sistemas de silviculturas e silvipastoris também se enquadram”, diz.
Tipos de contrato
Nos EUA é padrão os programas financiados pelo governo terem a duração de 100 anos, período no qual não se pode cortar, mediante um contrato, o que exige um comprometimento a longo prazo. Outras formas de contrato mais recentes, existentes no EUA, foram citadas por Kanieski, como a redução da intensificação do manejo, que gera créditos de carbono e um programa que trabalha com a idade ótima de corte e postergação da colheita. “O custo para postergar uma colheita seria a comparação entre o valor presente líquido do ano de corte. Então em programas de carbono, não faz sentido um programa pagar esse produtor que está colhendo a nove anos de idade para postergar até os 10 anos, sendo que o lucro dele vai aumentar. Então, deve-se trabalhar com os valores marginais, na idade ótima da colheita, em que se valoriza a sua floresta ao máximo”, explica. Um programa como este exige que o produtor exponha seus manejos, retornos, idade de corte e expectativa de ganho para postergação da colheita, buscando um melhor custo de oportunidade.
Contrato de 1 ano
Outro exemplo interessante citado na palestra ocorre com a empresa NCX- Natural Capital Exchange, que tem feito uma proposta bem diferente da governamental, de 100 anos, ao oferecer um contrato de apenas um ano. A NCX foi lançada em março de 2021 e, segundo Kanieski, realiza uma filtragem para seleção dos produtores interessados. Na seleção, áreas com muita intervenção florestal normalmente não são escolhidas, mas os selecionados, que possuem um certo potencial de capturar carbono, participam de tipo de leilão para definir o menor preço de carbono. Esse leilão é discriminado entre diferentes tamanhos de produtores, buscando ser mais justo e os produtores concordam com o valor a ser recebido como crédito, referente àquela região, com um determinado tamanho. Além disso, o NCX possui um sistema de sensoriamento remoto que verifica o comportamento histórico florestal das propriedades localizadas na região. “Há uma grande atratividade nesse contrato de um ano e a maioria dos adeptos é composta por pequenos produtores, que buscam uma receita com a venda de crédito de carbono”, conta.
O crédito de carbono deste contrato é definido pela unidade Harvest Deferral Credits (HDC) que seria a quantidade de madeira evitada de ser colhida com o tempo. Cada unidade equivale a um caminhão de madeira, em torno de 26 toneladas. “Atualmente 3.4 milhões de toneladas de madeiras foram evitadas ser colhidas apenas nesse leilão, em março. O preço atual, então, desse carbono nos EUA atualmente está em torno de U$17 por 25 tonelada de madeira, e envolveu uma área equivalente a 468 acres ou mais ou menos uns 200 mil hectares. “É um mercado que começou agora, os primeiros leilões foram em março, então não está muito claro ainda quais são os efeitos no mercado americano”, conta Kanieski.
Intermediários
De acordo com o professor, a demanda é muito grande também para as grandes corporações, como Microsoft, Walmart, Amazon, Royal Dutch Shell e South Pole, empresas que não estão envolvidas com o setor florestal, mas querem ser Carbono Neutro ou Carbono Positivo. Para atuar nesta negociação, nos últimos três anos, surgiram empresas nos Estados Unidos, como a NSCX, a Finite Carbon e a Blue Source, que atuam para conectar a demanda e a oferta de carbono feita pelo setor florestal, fazendo a integração.
Projeções
Kanieski trabalha atualmente na Universidade do Mississipi com projeções e modelos de oferta e demanda de madeira e seu efeito sobre o mercado madeireiro. Com a apresentação de diversos gráficos, o professor deu destaque ao que representava a face de idade de corte projetada para os próximos 25 anos. Neste, via-se o acúmulo de floresta crescendo para a última classe, que é a de 55 anos, fato que poderia gerar uma oferta muito grande de madeira para serraria, no futuro, e um decréscimo no preço. “Então, como investimento Florestal num longo prazo, talvez esses produtores que calcularam que iam se beneficiar com esse programa de carbono podem não se beneficiar tanto no conjunto da obra quando envolve madeira e carbono”, diz.
Para realizar algo semelhante no Brasil seria necessário haver um sistema avançado de inventário florestal, em larga escala. “O Serviço Florestal Brasileiro está fazendo e precisa acelerar mais o passo para este tipo de informação. As empresas de bases florestais podem mais facilmente ter esses dados e entrar nesse mercado de carbono do que o pequeno produtor. E a gente tem que saber como esse mercado pode impactar no mercado florestal na questão do Brasil”. Kanieski apontou também outras oportunidades trazidas com o mercado de carbono, sendo a de ensino e capacitação, que envolve mão de obra de sensoriamento remoto, inventário, entre outras. Há também oportunidades de negócios para empresas que consigam processar grandes quantidades de dados. Além disso, há o trabalho de conectar a demanda à oferta de carbono.
Kanieski finaliza a palestra falando da importância do embasamento técnico e econômico para o ingresso dos produtores brasileiros nesse mercado. “Se o embasamento técnico não é forte, pode ser que o tiro saia pela culatra e o produtor acabe perdendo os retornos financeiros”, pondera.
Foto: Captura de tela – Workshop Embrapa Florestas/Apre