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Fibra de árvores pode substituir plástico, tecidos e até embalagens

Em um mundo pressionado pela urgência climática e pela necessidade de reduzir o uso de derivados fósseis, as florestas plantadas emergem como protagonistas de uma revolução silenciosa.

“Cada árvore das florestas plantadas pode ‘equivaler’ a um pequeno poço de petróleo. Elas não são fontes apenas de madeira e celulose, como muita gente imagina, mas um sistema multifuncional que gera uma série de produtos”, afirma o engenheiro químico Washington Magalhães, pesquisador da Embrapa Florestas, localizada no estado do Paraná.

Uma das matérias-primas obtidas nas florestas plantadas é a celulose microfibrilada, também conhecida como Micro Fibrillated Cellulose (MFC). Elas são fibras individuais de celulose, extremamente finas, obtidas pela desintegração das fibras originais. Proveniente, principalmente, de eucalipto e pinus, a celulose microfibrilada já é aplicada como uma alternativa ao plástico.

“Atualmente, a celulose microfibrilada já é usada para produção de papéis, embalagens, álcool em gel e alguns revestimentos. Mas já está em testes ou adoção inicial (sem escala ampla no mercado) o uso da celulose microfibrilada na produção de tintas arquitetônicas, compósitos automotivos e dispositivos médicos”, conta Jeiveison Maia, pesquisador-chefe do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras.

Da árvore ao laboratório

A Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, tem apostado fortemente na substituição de materiais sintéticos por fibras naturais para produção de seus produtos. Guilherme da Fonseca, gerente executivo de P&D da empresa, acredita que as fibras naturais são o futuro das embalagens.

A empresa já produz copos e canudos de papel, mas entende que a fibra de eucalipto tem potencial para ir além e substituir matérias-primas não renováveis em diversas aplicações.

“Exemplo disso é a nossa Eucafluff®, a primeira celulose do tipo fluff a partir de eucalipto, utilizada na produção de produtos absorventes, como fraldas, absorventes femininos, tapetes para pets, e que tem um papel importante na substituição de alternativas de origem fóssil”, explica Fonseca.

No Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras, a celulose microfibrilada ganhou protagonismo durante a pandemia, quando houve escassez de carbopol — o espessante sintético usado em álcool em gel.

“A MFC despontou como solução ideal. Transformamos um problema em oportunidade ao substituir um polímero sintético por uma solução ecológica e eficaz”, disse Jeiveison Maia, pesquisador-chefe do instituto.

“A MFC desempenha o papel de espessante com muita eficácia, conferindo viscosidade e estabilidade à formulação do gel, de forma comparável aos ingredientes sintéticos tradicionais”, ressalta.

Florestas plantadas: a base da bioeconomia

A origem da celulose microfibrilada é um dos pilares da sustentabilidade desses produtos, pois pode ser obtida nas florestas plantadas.

Diferentemente das florestas convencionais, também conhecidas como nativas ou naturais, que são ecossistemas que evoluem naturalmente sem intervenção humana direta, as florestas plantadas são áreas cultivadas com foco econômico, geralmente com monoculturas de poucas espécies, alta intensidade de manejo e ciclos de crescimento e colheita definidos.

De acordo com a IBÁ (Indústria Brasileira de Árvores), o Brasil possui aproximadamente 10,5 milhões de hectares de florestas plantadas. Desse total, 8,1 milhões de hectares são compostos de eucalipto e 1,9 milhão de hectares por pinus. Enquanto outros 500 mil hectares são destinados a outras espécies.

“As razões para a escolha do eucalipto e pinus é a dominância tecnológica. Temos o domínio da tecnologia de todo o ciclo de produção: seleção de sementes e clones, mudas, técnicas de plantio, adubação, controle de pragas e doenças, fertilização, colheita e pós-colheita”, destaca Washington Magalhães, pesquisador da Embrapa Florestas

No Brasil, os estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná e Santa Catarina aparecem, respectivamente, como os de maior área de árvores plantadas.

Em comparação com outras regiões do mundo, as florestas plantadas brasileiras possuem uma rotação menor. O tempo entre o plantio e a colheita gira entre 5 e 14 anos, dependendo da aplicação.

Além da celulose microfibrilada, outras matérias primas podem ser obtidas a partir de espécies de árvores encontradas nas florestas plantadas. “As folhas, por exemplo, são fonte de óleos essenciais. Já algumas espécies florestais têm resinas que dão origem ao breu e à terebentina, muito usados em tintas, vernizes, sabões e produtos cosméticos”, aponta Washington Magalhães.

Josileia Zanatta, pesquisadora da Embrapa Florestas, também destaca o papel das florestas plantadas na mitigação das mudanças climáticas. “O crescimento delas retira volumes consideráveis de dióxido de carbono da atmosfera”, diz.

Ainda segundo ela, os plantios florestais são alternativas viáveis para a redução das emissões totais de GEE, devido à diminuição da pressão por extração de madeira de florestas nativas, o que também evita emissões por desmatamento.

Os produtos advindos das florestas plantadas acumulam carbono por longos períodos e, normalmente, têm pegada de carbono menor do que derivados de petróleo ou sintéticos de diversas origens.

“Essas vantagens permitem que o balanço de carbono de sistemas florestais plantados seja muito positivo”, ressalta Zanatta.

Principais desafios

Apesar dos avanços, a substituição de plásticos por fibras naturais ainda enfrenta desafios devido ao custo, mas os especialistas são unânimes em afirmar que o futuro é promissor.

“À medida que mais empresas adotarem essa matéria-prima e aperfeiçoarem os processos de fabricação, esperamos que a MFC se torne cada vez mais competitiva em termos econômicos, além dos já evidentes ganhos ambientais”, diz Jeiveison Maia, pesquisador-chefe do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras.

No Brasil, a Embrapa já realiza pesquisas e testes com produtos derivados de matéria-prima obtida de florestas plantadas. Exemplos incluem curativos para queimaduras, fertilizantes de liberação lenta e sensores biodegradáveis.

Fonte: Rone Carvalho/ECOA UOL