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As estratégias bilionárias para garantir o abastecimento de madeira no Brasil

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Abastecimento de madeira é uma das questões que assombram os gestores florestais. O tema, amplamente discutido em eventos e debates ao longo de 2021, visa compreender como se dará o fornecimento de madeira para os grandes bioinvestimentos anunciados, cerca de R$ 57,2 bi até 2024, segundo relatório anual da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores). Quanta madeira será necessária para suprir a indústria? Temos esses ativos florestais já planejados para atender essa demanda? Talvez não seja possível ter todas as respostas ainda.

Para falarmos de investimentos do setor, cuja finalidade é atender a demanda da indústria, de acordo com a Ibá, em seu relatório anual divulgado em dezembro, o investimento produtivo total foi de R$ 12 bilhões, 24% acima do ano anterior, sendo que 61%, foi direcionado ao segmento industrial (R$7,4 bi) e 39% para a área florestal, correspondendo a R$ 4,7 bilhões, um aumento de 3,4 % frente a 2019.

Porém, quando se observa o montante de área plantada, houve uma estabilidade de um ano para outro, com um leve recuo de 1,4%. Esta redução de área plantada ocorreu, principalmente, entre pequenos produtores, devido à alta competitividade com o agronegócio, uma vez que grandes empreendimentos se mantêm com planos de expansão.

Em 2020, a área total de árvores plantadas totalizou 9,55 milhões de hectares, no ano anterior o total foi de 9,69 milhões de hectares. Desse total, 78% é área de eucalipto, 7,47 milhões de hectares; e 18% de pinus, com aproximadamente 1,7 milhão de hectares. Além desses cultivos, o setor conta com cerca de 382 mil hectares plantados de outras espécies, entre elas a seringueira, acácia, teca e paricá.

Em contrapartida, o consumo de madeira de árvores plantadas subiu 3%, com 216,6 milhões de m3 em 2020. Essa alta é puxada principalmente pelo mercado de celulose. Com isso o consumo de eucalipto cresceu 4,6%, já o consumo de pinus e outras espécies recuaram 1,3% e 2,8%, respectivamente.

Grandes projetos como o projeto Cerrado, anunciado pela Suzano, costumam ter suas próprias fontes de abastecimento, sejam elas áreas próprias ou fomento de produtores das regiões próximas às fábricas. Contudo, o temor do mercado ainda é de um desabastecimento nos próximos anos, principalmente para a madeira sólida.

Para Daniel Woiski, CEO da Sólida Brasil Madeiras, é preciso despertar o olhar para novas formas de aproveitamento da madeira que está no campo, ou que ainda será plantada, a exemplo de países vizinhos como o Chile, onde se pensa na destinação de cada sortimento da tora colhida, para que seja levada para os demais vetores da cadeia, além da produção de fibras. “Por exemplo, as toras mais grossas, destinadas para serraria, outra demanda para energia e ainda o aproveitamento das fibras”, aponta Woiski. Na visão dele, nos próximos anos, principalmente pequenas indústrias que não possuem a formação própria de ativos florestais, ou se possuem, ainda é pequena, são os que irão sofrer mais com a escassez de madeira para a serraria.

Para falar sobre a crise atual, é preciso contextualizar. Em meados dos anos 1970, principalmente no sul do País, houve um incentivo de produção florestal e muitos agricultores tornaram-se também produtores de florestas. Mas, junto da decadência da serraria nos anos seguintes, veio o desinteresse na manutenção dessas áreas, principalmente se comparada à rentabilidade de cultivos anuais, como a soja. Com isso, surgiu a visão de que a floresta deve ser destinada para áreas não mecanizáveis pela agricultura, em solos pobres e pedregosos, como uma “opção” de renda para essas áreas que não são cultivadas para produção de alimentos.

As instalações das indústrias de papel nesse mesmo período e alta demanda por fibras consumiram as florestas, porém sem incremento de novas áreas plantadas pelos agricultores, a estratégia de autossuficiência de matéria prima leva, então, à aquisição de terras pelas indústrias.  

A cultura de produção florestal por parte dos agricultores no país passa, principalmente, pela rentabilidade. A volatilidade do mercado de madeira dos últimos anos e os preços baixos de algum tempo atrás desestimulou a produção de madeira, puxada pela incerteza de preços dentro dos 10 a 30 anos de formação florestal. Hoje, com a demanda alta, os preços subiram e quem investiu está com alta rentabilidade.

A CEO da Amata e Urbem, Ana Leite Bastos, diz que o caminho para valorização do mercado está justamente na escala de produção. “Quando se ganha escala, se ganha valor, quando se gera valor, tem-se valor para dividir em uma cadeia inteira e aí, com esse valor gerado, a gente vai conseguir sentar com produtores e eles vão ver rentabilidades melhores. Assim, com escala de produção, começamos a ter condições de discutir contratos de longo prazo, pois quem investe em floresta está, com certeza, comprometido com longo prazo”.

Na Klabin, uma das saídas adotadas como estratégia, não só de abastecimento, mas de rentabilidade para a região, está na forma de contrato da madeira junto ao produtor local. José Artemio Totti, Diretor Florestal da Klabin, explicou que a empresa busca uma forma contratual de se colocar um preço mínimo na madeira. “Entendemos que isso é positivo para todo mundo. Para nós enquanto companhia, mas especialmente para os nossos parceiros, que ficam à mercê de mercado e não sabem o que vai acontecer daqui 7 anos ou daqui 15 anos, e acaba não investindo, com medo disso. Buscamos dar mais tranquilidade para todo o sistema, garantindo um preço mínimo futuro. Que ele saiba que dali ele só pode ganhar, pois por menos que determinado valor ele não vai vender”, detalhou Totti.

De olho no clima

A disponibilidade de madeira passa por outro elemento que foge da planilha de gestão. Aliás, a única coisa que se pode fazer é registar o volume de chuva de cada estação para estabelecer dados históricos e tentar projetar uma previsão para os próximos.

A árvore precisa de água para se desenvolver e a cada ano, as mudanças climáticas estão mais acentuadas, principalmente a queda nos índices de precipitação. A alternativa para se conseguir continuar cultivando florestas mesmo com essas adversidades é a seleção de materiais genéticos, cada vez mais pensando no microclima de cada região.

“O desafio da produtividade está diretamente ligado ao meio ambiente e ao clima. E o clima está passando por transformações. Por isso é essencial o trabalho da academia juntamente com o setor privado, para encontrar as soluções necessárias para que a gente tenha sucesso”, destacou José Ricardo Ferraz, Diretor de Operações da Dexco.

Ação em conjunto

O superintendente executivo da ABIMCI, Paulo Pupo, acredita que agora é o tempo ideal para o setor sentar a discutir os termos para um crescimento sustentável para as próximas décadas. “Esse é o momento estratégico que em outras crises, ou em outras épocas de mercado, não tínhamos a capitalização média, média para alta, que está hoje em todo o segmento florestal. Não podemos pensar em segmentação de produtos, mas sim em um conjunto de ações para o setor. Claro, cada um tem suas particularidades, mas vejo de forma muito clara que devemos trazer todo mundo para a mesma página, elencar prioridades e avançar”, apontou Pupo.

Diversas devem ser as estratégias para se garantir o abastecimento de madeira, que perpassam desde a Pesquisa e Desenvolvimento de espécies mais resistentes às novas condições climáticas, até a criação de uma cultura de cultivo florestal para o produtor a longo prazo, deixando renda não só para esta, mas para as próximas gerações.

“Falamos de 10, 20, 30 anos de contrato de fornecimento de madeira, neste caso estamos falando de renda para os meus netos. Acredito que esse vai ser o começo da conversa com os produtores que a gente tem que começar o quanto antes. Temos um caminho longo a percorrer, porque quando você fala de uma lógica de fomento em grande escala, ela passa por cooperativas, por um grupo importante de pequenos e médios agricultores, concordando com esse modelo. Mas olha, para um número de anos menores o setor de cana de açúcar já conseguiu, não vejo porque o setor florestal não vai conseguir”, finalizou Ana Leite Bastos.

Foto: Laerte Soares – Águia Florestal