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Artigo: por que precisamos da biodiversidade?

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Em artigo publicado na Revista O Papel, Patrícia Machado, engenheira florestal, doutora pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e gerente de Políticas Florestais e Bioeconomia da IBÁ, destaca que “cuidar da biodiversidade é tarefa urgente e de todos” e reforça a importância disso para o mundo.

Confira:

POR QUE PRECISAMOS DA BIODIVERSIDADE?*

Cuidar da biodiversidade é tarefa urgente e de todos. Da imponência da onça pintada aos ipês amarelos que colorem a paisagem, pois fauna e flora vão além da beleza e exuberância. O papel fundamental que a biodiversidade exerce na natureza influencia diretamente no seu dia a dia. No campo ou em meios urbanos, a riqueza de espécies e sua saúde são fundamentais para que atos simples do cotidiano possam ser realizados. 

As refeições. Boa parte dos alimentos presentes na sua mesa só chega até você porque longe dali as abelhas iniciaram um processo de polinização, permitindo a reprodução das plantas e formação dos frutos. 

Os remédios. Aquela dor de cabeça, como resultado de um dia exaustivo de trabalho, poderá ser amenizada com um analgésico, que certamente possui em sua composição alguma substância extraída de plantas. 

Nosso bem-estar. Quem nunca sentiu os benefícios físicos e mentais ao caminhar por um parque e observar as árvores e o canto dos pássaros? São diversos os exemplos dos benefícios dos ecossistemas e da biodiversidade para as atividades econômicas e ao bem-estar humano, aquilo que chamamos de serviços ecossistêmicos. 

Também é preciso lembrar do conhecimento ancestral dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, passado de geração em geração, e que reúne os saberes para extrair todo o potencial da biodiversidade de maneira sustentável.

Se traduzirmos todos esses benefícios em cifras, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, mais da metade do PIB global, cerca de US$ 44 trilhões, depende da natureza de alguma maneira.

Embora toda a sociedade e a economia se beneficiem da natureza, o nosso grande desafio tem sido protegê-la. Um estudo de 2020, também do Fórum Econômico Mundial, indicou que a humanidade já causou a perda de 83% dos mamíferos selvagens e metade das plantas. Essa perda é real e está acontecendo em toda a superfície terrestre e também nos oceanos.

Além de colapsar a economia, a perda da biodiversidade e o desequilíbrio dos ecossistemas podem trazer outras graves consequências como o surgimento de pandemias, a exemplo da Covid-19, alteração na frequência e intensidade de doenças já conhecidas, como malária e febre amarela, ou surto de doenças desconhecidas, cujo impacto é inimaginável. 

Essa preocupação com a biodiversidade e o meio ambiente não é de hoje. A partir da ECO-92, Conferência Ambiental da ONU, realizada no Rio de Janeiro-RJ e com a liderança do Brasil, a comunidade internacional passou a discutir de maneira mais estruturada a importância de conciliar a economia com a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos naturais. 

Um dos resultados da ECO-92 foi a criação da Convenção da Diversidade Biológica com seus três pilares: i) promover a conservação, ii) uso sustentável da natureza e iii) distribuição justa dos benefícios oriundos da sua utilização econômica.

No final de 2022 foi realizada a 15.ª edição da Conferência em que quase 200 países negociaram e aprovaram o Marco Global da Biodiversidade, contendo 23 metas para guiar as ações em prol da biodiversidade. Tal marco está para a biodiversidade assim como o Acordo de Paris está para a agenda de clima. Lembrando que nenhuma das 20 Metas de Aichi para a Biodiversidade (2011-2020), que antecederam o Marco Global, foi totalmente alcançada no âmbito global. 

Sendo assim, para evitar mais perdas da biodiversidade e uma nova frustração para a comunidade internacional, é necessário agir agora. O alcance das metas e a consequente reversão da perda da biodiversidade só serão possíveis com a união de esforços e o comprometimento dos diversos atores, incluindo governos, entidades internacionais, academia, setor privado, setor financeiro e consumidores. 

Engana-se quem acredita que produção e conservação devem caminhar em sentidos opostos. O setor privado é um importante ator no cumprimento das metas e as empresas que ainda não integraram a biodiversidade à sua estratégia ficarão para traz na busca por financiamento, acesso aos mercados internacionais e nas escolhas dos clientes.

O setor brasileiro de árvores cultivadas é um exemplo de que produzir e conservar é possível. São 9,93 milhões de hectares de terras destinadas à produção, em que árvores são plantadas, colhidas e replantadas, comumente em áreas antes degradadas. Ao mesmo tempo, outros 6,05 milhões de hectares são destinados para conservação. Em uma técnica de manejo sustentável, chamada mosaico florestal, são criados verdadeiros corredores ecológicos, o que, entre outros benefícios, auxiliam a cuidar da biodiversidade. 

As empresas investem em programas de monitoramento da biodiversidade, alguns iniciados na década de 1970, gerando dados importantes para todo o processo de melhoria. Com o monitoramento é possível entender se o manejo florestal está causando impactos à biodiversidade. Caso alguma alteração negativa seja percebida é necessário repensar as estratégias. 

Por meio da análise desses dados, a IBÁ identificou que são mais de 8 mil espécies de fauna e flora registradas em áreas das companhias. Importante ressaltar que alguns animais considerados em extinção foram registrados em propriedades das companhias. Isso significa que esses seres encontram local seguro para transitar, alimentar-se, procriar ou, até mesmo, sobreviver. 

Além dos programas de monitoramento, as empresas investem também na agenda de restauração, em programas de educação socioambiental, parcerias com as comunidades locais para a criação de abelhas, combate à caça e pesca ilegais. E qual o papel dos cidadãos na agenda de biodiversidade? 

As mesmas pessoas que acreditam que a biodiversidade é algo distante do seu cotidiano também sentem que não têm responsabilidade sobre o tema, ou ainda, não se sentem capazes em contribuir com a conservação das espécies. O que não é verdade! Evitar desperdícios de água e de alimentos, turismo responsável, evitar o consumo de itens de uso único ou de fontes fósseis são pequenas atitudes que fazem a diferença. O mercado opera sob demanda e se a população optar por escolhas conscientes, isso direcionará o mercado a optar por matérias-primas com rastreabilidade, produzidas de maneira sustentável, que apoiem a conservação ambiental, a biodiversidade e as comunidades locais. 

Proteger a biodiversidade é estratégico para todos. Governo, sociedade, setor privado, setor financeiro e academia têm um papel a exercer em prol da biodiversidade. Cada espécie carrega consigo uma gama de oportunidades, seja como fonte de princípio ativo para o desenvolvimento de tratamentos para doenças, seja na manutenção dos ecossistemas. Não podemos correr o risco de perder esse patrimônio antes mesmo de conhecê-lo plenamente. Caso contrário, todos perderão, pois estamos conectados e fazemos parte de um único planeta.

*PATRÍCIA MACHADO – Engenheira florestal, doutora pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e gerente de Políticas Florestais e Bioeconomia da IBÁ

Foto: Imagem de wirestock no Freepik