No início de maio, a Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre) realizou, de forma virtual, o workshop “Florestas plantadas: oferta e qualidade da água”, que foi criado com o objetivo apresentar as principais novidades com relação à utilização da água no plantio e cultivo de florestas. O evento, dividido em dois painéis, trouxe especialistas para falar sobre a importância de se discutir esse tema, tão importante atualmente, bem como pesquisadores e profissionais das empresas associadas, que destacaram suas experiências sobre o uso dos recursos hídricos no setor florestal. Acompanhe abaixo um resumo de cada palestra.
Programa Cooperativo sobre Monitoramento Ambiental em Microbacias Hidrográficas
O primeiro palestrante do evento foi o professor Silvio Ferraz, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), apresentando o Programa Cooperativo sobre Monitoramento Ambiental em Microbacias Hidrográficas (PROMAB). Na ocasião, ele falou sobre como as florestas plantadas influenciam e causam efeitos em recursos hídricos em termos de quantidade e qualidade da água. O projeto monitora microbacias no Brasil e no Uruguai, em parceria entre empresas e universidade. A coleta de dados, segundo ele, gera pesquisa e traz resultados para as companhias, que podem utilizar os relatórios para melhorar o manejo, reduzir efeitos e também certificar.
“Monitoramos essas bacias há 30 anos e, com isso, já conseguimos elaborar o que precisa ser feito para reduzir os efeitos das florestas plantadas. Temos dados de como monitorar e até como planejar zoneamento para pegar as áreas críticas e atuar sobre elas. Isso é muito importante, porque a água é um assunto que está sendo bastante discutido, e o setor florestal é muito visado e também mais cobrado do que a própria agricultura. Por isso, precisamos entender mais sobre a importância de se fazer manejo adequado para evitar problemas, como conflitos com órgão ambiental, promotoria, vizinhos, comunidades. É importante que a empresa trabalhe de forma preventiva, monitorando, agindo onde estão os problemas, antecipando-se, e não de forma reativa, quando há um problema”, explica.
De acordo com o professor, no caso de plantações de pinus, a situação era mais confortável, porque havia um bom nível de chuva. Porém, recentemente, com a seca prolongada, surgiram inúmeros questionamentos, justamente em um local onde não se falava sobre problema de água.
“O setor expandiu, há a migração para eucalipto, que também tem reflexo. É o momento de o setor, nessa região, se antecipar, se precaver, se organizar, tomando medidas de monitoramento, porque a tendência é só agravar. Esse evento veio na hora certa, no momento em que não existem conflitos, no início da preocupação com o problema. Há tempo de sobra para atuar preventivamente. Como a água percorre toda a paisagem, quando existe uma empresa que não está adequada, as demais são prejudicadas. Vale lembrar, ainda, que ao se trabalhar com a conservação de água, automaticamente está se conservando solo, e sabemos que solo e água são fatores de produção. Ou seja, se manejarmos bem esses recursos, é possível ter aumento de produtividade” garante.
Silvicultura de pinus e eucalipto e a relação com a água
Em seguida, foi a vez do professor Mauro Valdir Schumacher, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), falar sobre a Silvicultura de pinus e eucalipto e a relação com a água. Ele ressaltou que o tema está ficando em evidência no Paraná, pois a situação é preocupante. Mas, apesar disso, Schumacher destaca que é importante falar sobre a importância das plantações de eucalipto e pinus em termos de qualidade de água. O professor explica que, atualmente, existem inúmeros dados e informações no Brasil e no mundo que mostram os benefícios das árvores para os recursos hídricos.
“Quando a água da chuva toca na copa das árvores, essas acabam retendo parte da poluição que se encontra na atmosfera. Quando passa pela copa das árvores e chove no interior, há uma mudança: elas retiram já nas folhas grande parte de nitrato e outros componentes que poderiam contaminar ou alterar a qualidade da água. Portanto, percebe-se que a água da chuva, quando chega no solo, antes de ir para o lençol freático, já está sem grande parte dos componentes poluidores, fazendo com que melhore realmente a qualidade daquela água”, reforça.
De acordo com Mauro Schumacher, na Alemanha existe a floresta conhecida como floresta negra, plantada com um espécie de conífera muito semelhante ao pinus. Segundo ele, a melhor água que a população bebe é a que passa por dentro dessas plantações. Ou seja, toda a poluição que está circulando na atmosfera é absorvida quando a chuva toca nas árvores e, quando ela chega no curso d’água, a qualidade da água é superior.
“Assim como a nativa, para manter a qualidade da água, as plantações de pinus e eucalipto também são importantes, porque servem como um filtro. Muitos não têm ideia do potencial e do que representam essas florestas na retenção e armazenamento de todos esses poluentes que eventualmente chegariam no curso da água. Mas é óbvio que essas árvores consomem relativamente bastante água para produzir. Por isso, é preciso pensar em como plantar, como ocupar”, ressalta.
Procedimentos para obtenção de outorga de recursos hídricos
Outra convidada do workshop organizado pela Apre foi Natasha Cecilia Hessel de Goes, do Instituto Água e Terra (IAT). Na palestra, ela explicou que a outorga é um dos instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos, reforçando que esse é um ato administrativo que concede o uso da água. “O objetivo é disciplinar a utilização da água e compatibilizar demandas e disponibilidade hídrica, para não criar áreas críticas ou conflitos”, explica.
Além disso, Natasha revela que a outorga de direitos de uso de recursos hídricos também serve para assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, disciplinando o exercício dos direitos de acesso à água. Ela citou, ainda, que Política Estadual de Recursos Hídricos tem as seguintes finalidades: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de águas em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; promover a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, com vista ao desenvolvimento sustentável; prevenir e defender contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
Com relação aos usos sujeitos a outorga, estão derivações ou captações de água (superficiais), extração de água de aquífero subterrâneo (poços rasos e tubulares profundos), lançamentos de efluentes em corpo de água, aproveitamento de potenciais hidrelétricos, intervenções urbanas para retificação, canalização, barramento e obras similares que visem ao controle de cheias, além de outros usos e ações de obras ou serviços que demandem a utilização de recursos hídricos, ou que impliquem em alteração da quantidade ou da qualidade da água, superficial ou subterrânea.
Governança da água para o desenvolvimento sustentável
Paulo de Tarso de Lara Pires, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi o quarto palestrante do evento e falou sobre a posse responsável da água para fins produtivos. Segundo ele, a discussão permite tratar com o setor florestal e o setor produtivo a questão das relações do proprietário rural sobre a propriedade da terra.
“Posse responsável da água é um termo novo. Quando falamos da posse responsável, estamos falando da área produtiva, porque, nos últimos anos, houve aumento exponencial do uso da água para algumas atividades, como irrigação, uso industrial, não só do ponto de vista de conservação da água, mas também das relações entre os proprietários rurais no uso coletivo da água. Se vou implementar, por exemplo, um reservatório de irrigação da água na minha propriedade, como fica a relação de posse com o proprietário que também usa? Como é a relação entre as comunidades e os grandes empreendedores? É preciso falar sobre as relações entre os usuários da água do ponto de vista do direito, da posse responsável, mas também do ponto de vista de vizinhança, de posse de direito e também manutenção desse recurso, que é fundamental para a atividade produtiva”, detalha.
Para isso, Paulo de Tarso reforça que é fundamental que se tenha uma visão realística da gestão da governança da água em termos locais e internacionais. Ainda de acordo com o professor, muitos têm a falsa ideia de que os plantios secam os locais, uma lenda rural e urbana. Por isso, é importante que questões como essa sejam abordadas para alcançar dados palpáveis e levar à população um respaldo técnico.
“Quando falávamos de recurso hídrico, os conflitos entre privados eram muito pequenos. Porém, com o crescimento populacional, aumento do consumo e a visão da população em relação à agua, passamos a ter relações mais conflituosas. Para que não fiquemos reféns de determinadas esferas, é muito importante que criemos bons modelos de governança da água. Precisamos de padrões muito bem estabelecidos, como vamos trabalhar com a comunidade, tanto em relação à propriedade da terra e a relação da água, mas também como vamos trabalhar para atender aos anseios da comunidade. E que também estejamos preparados para não permitir que as pessoas utilizem de pressão para obter vantagens. Temos que estabelecer bons padrões de conduta, boa relação com a comunidade, para que a convivência seja cada vez mais harmônica”, afirma.
Manejo florestal sustentável com foco na hidrossolidariedade
Ana Cristina André, engenheira florestal que trabalha na área de Meio Ambiente e Certificação da Klabin, apresentou no evento a estratégia de uso de manejo hidrossolidário, que está sendo utilizado pela empresa desde 2018. Conforme ela detalha, essa é uma estratégia pioneira no setor.
“Basicamente, trazemos os recursos hídricos e a unidade de manejo, sendo as bacias hidrográficas e os pontos de captação do vizinho, para dentro do planejamento. Dessa forma, conseguimos olhar tanto para as microbacias como para esses vizinhos que têm captação de água. O uso é compartilhado e, por isso, chamamos de manejo hidrossolidário, que nada mais é do que uma estratégia de manejo”, destaca.
Quando a Klabin começou no processo de expansão, Ana Cristina ressalta que a maior preocupação era manter os mosaicos florestais, já que o manejo em mosaico já existia. Segundo ela, a preocupação com a água também acaba priorizando outras funções, como a questão do mosaico e a priorização das bacias de abastecimento. Mas a estratégia só foi possível graças a uma grande união de diversas áreas da empresa.
A engenheira reforça que olhar para o recurso água como o principal da unidade de manejo traz múltiplos benefícios. Com relação ao planejamento de mosaico, a engenheira explica que isso é feito em blocos. Na Klabin, inicialmente, foram analisados, em média, 800 blocos. Desses, 25% precisariam ser modificados, o que mostrava que a empresa estava em uma situação favorável. Com as bacias de contribuição, a Klabin tem a premissa de modificação de manejo, podendo mudar o espaçamento ou priorizar o plantio de outro gênero.
“Sabemos que o eucalipto consome mais água do que o pinus, e a nativa consome menos água do que as duas espécies, então conseguimos fazer esse tipo de priorização. Se for uma área crítica, aumentamos o espaçamento ou mudamos de gênero. Dependendo do caso, podemos até entender que aquela área deve ser convertida para vegetação nativa, sempre priorizando o melhor manejo por causa daquele ponto de captação, seja de vizinho ou mesmo da Klabin. Quando falamos de manejo florestal, temos costume de olhar sempre para produtividade, onde a espécie melhor se adapta, especificamente para a produção. Mas quando falamos de olhar o manejo tendo o foco para a água, isso é muito inovador, é algo muito importante”, descreve.
Recurso hídrico e a floresta plantada – a relação sob o olhar da WestRock
Outra empresa que compartilhou sua experiência com relação ao tema foi a WestRock. Rafaela Reis, engenheira de Meio Ambiente da empresa, detalhou a participação da companhia no Programa Cooperativo sobre Monitoramento Ambiental em Microbacias Hidrográficas (Promab). Na WestRock, trabalha-se com o modelos de bacias pareadas, ou seja, são feitas medições, de forma simultânea, do balanço hídrico de duas microbacias que são adjacentes e aproximadamente similares. Ela explica que ter uma bacia de referência é o modelo ideal e mais recomendado. A empresa conta, hoje, com 2.700 nascentes preservadas e 281 microbacias já mapeadas, que auxiliam nas estratégias de manejo e tomadas de decisões com relação aos recursos hídricos.
“Quanto mais entendermos sobre os recursos hídricos, a relação entre a floresta e a água, mais teremos as condições de conservação do solo e, consequentemente, dos recursos hídricos. Entendemos que precisamos continuar fazendo esse monitoramento para ampliar o conhecimento dessa relação da floresta plantada com a água”, afirma.
Conforme Rafaela detalhou, a WestRock mantém duas estações, que são compostas por um vertedor, um tanque de tranquilização, um painel solar com bateria acoplada, um datalogger, um sensor de nível e um pluviômetro. Para participar do Promab, é preciso ter confiabilidade de dados de pelo menos 80%, para considerar os números para resultados. Ela conta, ainda, que a empresa instalou a microbacia em 2008, realizou a colheita em 2009 e vem acompanhando o desenvolvimento da floresta. Em 2012 e 2021, foi feita a colheita parcial da floresta nativa. Já a colheita da microbacia com plantação de pinus está prevista para 2023. Comparando a microbacia de pinus com a de nativa, observou-se que o comportamento é muito similar e que não existem diferenças significativas até o momento. Assim, é possível entender que o manejo realizado não está causando impactos negativos no ambiente.
“Observamos a relação entre a floresta plantada e a água, em termos de qualidade de manejo. Vamos permanecer com esse monitoramento, justamente pela importância para o setor e para a WestRock ao longo dos anos. A empresa tem estratégias de negócio, plantando um pouco mais de eucalipto do que de pinus, e isso tende a se estender para os próximos anos. Como faremos a colheita dessa microbacia de pinus em 2023, a nossa estratégia é começar os monitoramentos em relação ao eucalipto. Como a empresa está fazendo a conversão de áreas de pinus para eucalipto, queremos também estudar os efeitos da conversão de uma floresta de pinus para eucalipto e entender esses impactos”, revela.
Uso do hidrogel no plantio de florestas
Marcelo Andrade, da empresa Futuragro, também participou do evento. Segundo ele, a empresa, hoje, é uma distribuidora de insumos, mas também tem uma longa história com a parte florestal, sempre buscando novos produtos para redução de pragas e doenças e para otimização de recursos. Com relação ao uso de gel em floresta, ele reforça que a utilização acontece há anos, principalmente porque, com as mudanças climáticas e a movimentação das épocas de chuvas, essas ferramentas vêm para otimizar e reduzir recursos.
Para esse uso, é preciso entender a estrutura do solo, pensar na capacidade de água disponível e ter um balanço hídrico, que é o resultado da quantidade de água que entra e sai de uma certa porção de solo em um determinado espaço de tempo. É importante também ter um histórico da precipitação.
“O planejamento faz o levantamento do solo, pois é preciso fazer a leitura de qual é o tipo de solo. Com essa classificação, toma-se uma decisão. Se o solo é mais argiloso, ele tem capacidade maior de retenção de água, então as curvas de planejamento de plantio e de irrigação são mais flexíveis. Quando o solo é mais arenoso, há maior espaço de ar, tem potencial de perda maior, então há maior preocupação com irrigação. O gel trabalha diretamente nos poros vazios, suprimindo-os. Em solo argiloso, quando se faz a irrigação com água, a água entra no solo e espalha pela superfície. Quando se usa gel, a tensão da água faz aglutinação dela, ficando retida no sistema da planta”, explica.
Tipos de gel – para cova, o gel ajuda na redução da frequência e/ou do volume de água usado na irrigação; no aumento da taxa de “pegamento” das mudas no campo; na diminuição das perdas de água e nutrientes; redução da evaporação de água no solo; favorece o crescimento das plantas; melhora as propriedades físicas dos solos e substratos, deixando-os mais porosos; e diminui a possibilidade de atingir o ponto de murcha permanente e a planta morrer. Já para irrigação, o hidrogel serve para combater a erosão dos solos; melhorar a distribuição e o aproveitamento da água pelas plantas; colaborar com menores perdas de nutrientes e defensivos por escorrimento da água na superfície ou por lixiviação; aumentar a eficiência na irrigação; e reduzir de 20 a 50% o volume de água utilizado na irrigação.
A mecanização da silvicultura e o uso da água
Para fechar o evento, Lonard Scofield dos Santos, da Master Soluções Florestais, falou sobre as tecnologias que existem hoje e que têm baixa necessidade de uso de água, tanto em uma operação de plantio como em uma operação de irrigação. Ele detalhou diversas pesquisas sobre a quantidade de água do setor florestal para reforçar a importância da tecnologia nos equipamentos de plantio e equipamentos de irrigação com baixo consumo de água, em comparação com as atividades atuais, como a atividade manual ou equipamentos rudimentares, por exemplo.
“Numa operação manual, por exemplo, que normalmente o operador usa seis litros de água por planta, a nossa máquina faz o plantio e deixa umedecido o suficiente com 1,5 litro de água. Portanto, esse é um assunto muito importante, porque fala-se muito em mecanização da silvicultura e valorização do homem, mas, na prática, esse processo está muito lento. As empresas continuam com dificuldade para partir para mecanização, mas a tecnologia está disponível”, completa.