A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – movimento formado por mais de 280 representantes do agronegócio, setor financeiro, sociedade civil e academia – lança o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Silvicultura com Espécies Nativas (PP&D-SEN). O objetivo é promover o desenvolvimento científico e tecnológico necessário ao estabelecimento da silvicultura de espécies nativas no Brasil em escala comparável à dos principais setores agroindustriais do país. Ao longo de 15 anos, o PP&D-SEN prevê a implementação de uma rede de 20 sítios de estudo de na Amazônia e na Mata Atlântica, com espécies já mapeadas segundo seu potencial econômico.
“A silvicultura de espécies nativas tem potencial para alcançar a mesma dimensão geográfica e socioeconômica de grandes setores já consolidados, como as florestas plantadas, soja, milho e cana-de-açúcar”, explica Miguel Calmon, líder da Força-Tarefa sobre o tema na Coalizão Brasil e consultor sênior do WRI Brasil. “Embora algumas espécies nativas tenham alto valor e sejam muito procuradas por importadores, seu potencial econômico ainda precisa ser desenvolvido”, destaca.
Com cerca de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas com moderado e severo grau de degradação, o Brasil ainda engatinha nesse mercado. Atualmente o país fornece menos de 10% da produção global de madeira tropical. Nesse vácuo, a exploração ilegal avança sobre florestas nativas: embora não existam dados oficiais, estima-se que até 90% das madeiras exportadas sejam extraídas irregularmente, subtraindo impostos, causando danos à imagem internacional do país e agravando as taxas de desmatamento.
A crescente demanda nacional e internacional por madeiras nativas do Brasil ainda não gerou um setor tão consolidado quanto o de espécies exóticas usadas para a produção de papel e celulose no país. Um dos fatores para essa diferença é justamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Nos últimos quarenta anos, as indústrias do pinus e do eucalipto investiram no melhoramento das espécies para produção, gerando grandes resultados. O mesmo não se deu com as nativas e, por isso, ainda há muitas lacunas de conhecimento técnico e científico, como em sementes e mudas, melhoramento genético ou manejo. O programa lançado pela Coalizão Brasil visa contribuir para preencher essa lacuna.
O PP&D-SEN é uma iniciativa pioneira, que vai envolver universidades, instituições de pesquisa, empresas, governos e sociedade civil, e uma oportunidade para financiadores que querem investir nesse setor.
O reflorestamento com espécies nativas e o manejo sustentável de florestas naturais e plantadas também contribuem para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, colaborando para que o país cumpra a meta de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de áreas e florestas degradadas até 2030 como parte de seu esforço para atingir as metas climáticas em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) sob o Acordo de Paris. “O Acordo de Paris, a Iniciativa 20×20, o Desafio de Bonn e a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU reconhecem a restauração e o reflorestamento como uma estratégia-chave para mitigar as mudanças climáticas e melhorar a resiliência ambiental, econômica e social”, lembra Patricia Daros, diretora do Fundo Vale. “Só conseguiremos avançar nessa agenda por meio de ações coletivas, coordenadas, com o envolvimento de diferentes setores”, completa.
Todas as informações sobre a estrutura do PP&D-SEN serão apresentadas no relatório a ser lançado durante o evento do dia 13 de abril, que contará com uma mesa de debate sobre o tema com convidados com o governador do estado do Espírito Santo, Renato Casagrande, o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Milton Kanashiro, o professor Luciano Verdade da USP e a diretora do Fundo Vale, Patricia Daros. Para mais informações, clique aqui.
Como o programa funciona
O Programa visa buscar recursos e parcerias para apoiar projetos de pesquisa em três áreas prioritárias: Produção Florestal, Meio Ambiente e Paisagem, e Dimensões Humanas.
A área de Produção Florestal tem três linhas de pesquisa abrangendo os temas considerados prioritários. Melhoramento Florestal, por exemplo, abarca biologia molecular, propagação vegetativa e sementes/mudas. A outra linha, de Manejo Florestal, engloba ecofisiologia, modelagem florestal, práticas silviculturais e zoneamento topoclimático. A área de Tecnologia de Produtos Florestais, por sua vez, se dedicará a produtos madeireiros e não-madeireiros.
A área de Meio Ambiente e Paisagem tem duas frentes de pesquisa. A linha de pesquisa em Serviços Ecossistêmicos se dedicará a carbono, água, inimigos naturais, polinizadores e qualidade do solo. Já a linha de pesquisa em Biodiversidade olhará para conservação biológica, conflito com a fauna, uso sustentável e monitoramento.
Na área de Dimensões Humanas ficam as pesquisas sobre socioeconomia e políticas públicas. Socioeconomia focará em análises de custos, geração de empregos e mercado. Em políticas públicas, Código Florestal e marco regulatório são as prioridades. Além da pesquisa, o programa baseia-se em outros dois pilares: capacitação e comunicação.
A implantação do programa deverá ter início pela criação da Rede de Sítios de Estudo de Longa Duração (Rede Seld), a ser composta por 20 unidades de pesquisa com 15 hectares cada, distribuídas nos biomas Amazônia e Mata Atlântica. Em cada sítio, serão pesquisadas espécies nativas previamente analisadas sob seu potencial econômico. As atividades devem ser financiadas por diferentes tipos de agentes econômicos, como bancos de desenvolvimento, fundações de amparo à pesquisa e financiadores privados.
Oportunidade econômica
Um estudo de Prioridades e Lacunas em Pesquisa & Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas no Brasil (colocar link) indica que o investimento necessário para que a silvicultura de nativas decole é relativamente baixo – cerca de 0,04% do investimento total brasileiro em pesquisa. A análise de custo-benefício aponta que o retorno de investimento pode ser de US$ 2,39 para cada dólar investido, em um período de 20 anos.
Segundo dados da plataforma Comex Stat, do Ministério da Economia, as exportações de madeira bruta registraram um crescimento superior a 9.500% entre 2010 e 2020. O avanço em receita foi de 2.055%, passando de US$ 3,8 milhões para US$ 82,5 milhões (FOB). Nem a pandemia de Covid-19 reduziu as exportações: de janeiro a outubro do ano passado, o país comercializou 756 mil toneladas, gerando US$ 72,4 milhões, um crescimento de 29% em volume e de 13,97% em receita. Dados do Ibama obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo indicam que três árvores nativas brasileiras – o ipê, o mogno e o jacarandá – encabeçam a lista das madeiras mais procuradas por outros países, devido à beleza e à qualidade. Detalhe: todas estão ameaçadas de extinção, o que reforça a importância de plantar espécies nativas para madeira, evitando a extração ilegal dessas madeiras das florestas naturais e, consequentemente, contribuindo para a conservação da biodiversidade.